O Ceará vive um novo ciclo de transformação econômica impulsionado pela tecnologia e pela infraestrutura digital. A avaliação é do professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e secretário de Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico de Caucaia, Machidovel Trigueiro Filho, que detalhou os fatores que colocam o estado no centro da estratégia global de grandes empresas de tecnologia.
Segundo Trigueiro, a consolidação do Ceará como polo digital não é fruto do acaso, mas da combinação de localização geográfica estratégica, conectividade internacional e oferta de energia limpa e competitiva. Fortaleza concentra atualmente a chegada de 16 cabos submarinos que conectam o Brasil à Europa, África e Estados Unidos, tornando-se um dos principais nós de telecomunicações do Atlântico Sul.
“Há uma convergência geográfica, de energia, de conectividade dos cabos submarinos. Toda essa convergência torna o Ceará com uma competitividade diferente dos outros estados,” afirmou Machidovel Trigueiro em entrevista ao programa Cenários Trends.
Essa estrutura garante baixa latência e alta confiabilidade no tráfego internacional de dados, característica essencial para data centers, provedores de nuvem, bancos e sistemas governamentais.
Outro diferencial apontado é a matriz energética. O Ceará se destaca como hub de energia renovável, com forte produção eólica e solar, oferecendo energia estável e de menor custo — um fator decisivo para data centers, que estão entre os maiores consumidores de eletricidade do mundo.
“Aqui [no Ceará] tem energia barata, energia limpa e energia estável, que é importante a estabilidade para evitar quedas num processamento de um de dados,” pontua o secretário.
Para ele, essa combinação transforma o estado em um verdadeiro “porto digital”, comparável a grandes polos logísticos globais, mas voltado à circulação de dados.
Soberania tecnológica
A expansão da infraestrutura digital também tem impacto direto na soberania tecnológica do país. Trigueiro lembra que, por décadas, o Brasil dependeu de rotas internacionais para processamento de dados, o que limitava o controle sobre informações sensíveis. Com a instalação de grandes players globais de nuvem e tecnologia, como empresas de redes sociais e plataformas digitais, o país passa a ampliar sua capacidade de processamento interno, reforçando a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e a segurança da informação.
“Em suma, o Brasil vai deixar de ser um consumidor passivo de infraestrutura digital para ser agora um produtor, um controlador e um exportador de conectividade de dados,” conclui Trigueiro sobre o ganho em autonomia tecnológica.
O avanço acelerado da inteligência artificial, que demanda enorme capacidade computacional, torna os data centers ainda mais estratégicos.
No Ceará, o município de Caucaia desponta como epicentro desse movimento. A presença da Zona de Processamento de Exportação (ZPE) e de regimes de incentivo, como o REDATA, tem atraído projetos de grande porte. De acordo com o secretário, os data centers funcionam como “âncoras de desenvolvimento”, irradiando efeitos sobre diversas cadeias econômicas.
Na construção civil, grandes obras já projetam milhares de empregos temporários. No setor energético, cresce a demanda por novas usinas, sistemas de armazenamento e projetos de hidrogênio verde. A cadeia digital se expande com serviços de cibersegurança, computação em nuvem e manutenção especializada, enquanto áreas de serviços avançados, como engenharia, consultoria e formação profissional, também ganham impulso.
A expectativa é que esse conjunto de investimentos reposicione a economia local.
“Não se assuste se em breve Caucaia se tornar o maior PIB do Ceará… porque hoje o mundo é digital, hoje a indústria é digital,” projeta Machidovel Trigueiro Filho, que vislumbra a inauguração de um novo ciclo de “industrialização digital” no estado.
Apesar do cenário promissor, o secretário alerta para desafios que precisam ser enfrentados, como o planejamento da infraestrutura elétrica, a garantia de redundância energética e a agilidade nos licenciamentos ambientais. Ele também defende que o avanço tecnológico não fique restrito à Região Metropolitana de Fortaleza.
“Eu penso para evitar essa ilha tecnológica que fique um polo somente ali, isso tem que ser iluminado na interiorização do nosso estado,” afirma Trigueiro.
A proposta é usar o polo digital como base para a interiorização do desenvolvimento, com programas de inclusão digital, internet gratuita, alfabetização tecnológica nas escolas e estímulo ao empreendedorismo em outras regiões do estado.
Para Machidovel Trigueiro Filho, a consolidação do Ceará como hub digital representa mais do que crescimento econômico. Trata-se, segundo ele, de uma “revolução social e digital silenciosa”, com potencial para gerar empregos formais, ampliar a inclusão e reduzir desigualdades históricas por meio do acesso à tecnologia e à inovação.