Por que é urgente um código de conduta para o STF e os tribunais superiores

Plenário do STF
Plenário do STF. Foto: Rosinei Coutinho/STF

A discussão sobre um código de conduta para ministros do STF ganhou urgência após novos episódios envolvendo conflitos de interesse e pressões indevidas sobre órgãos públicos. Ex-presidentes da Corte defendem que regras claras de transparência fortalecem a credibilidade do Judiciário e protegem sua independência. A resistência interna, porém, revela o choque entre a cultura atual do tribunal e padrões já adotados em democracias consolidadas.

A discussão sobre a criação de um código de conduta para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e dos tribunais superiores deixou de ser um debate abstrato para se tornar uma urgência institucional. Episódios recentes envolvendo a relação de magistrados com empresários, banqueiros e interesses privados — somados ao crescente desgaste da imagem do Judiciário — expuseram uma lacuna que democracias consolidadas já trataram de preencher: regras claras, públicas e escritas sobre limites éticos, transparência e aparência de imparcialidade.

A iniciativa partiu do atual presidente do STF, Edson Fachin, e enfrenta resistência interna justamente por tocar em práticas que se tornaram comuns na cúpula do Judiciário, como viagens patrocinadas, participação em eventos privados com atores que têm causas no tribunal e a falta de transparência sobre agendas e cachês. Para ex-presidentes da Corte, no entanto, o movimento é não apenas legítimo, mas necessário.

Apoio de ex-presidentes: “moralmente necessário e institucionalmente urgente”

Cinco ex-presidentes do STF — Ayres Britto, Carlos Velloso, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber — manifestaram apoio explícito à proposta de Fachin, conforme mostrou a colunista Malu Gaspar no O Globo. O tom é semelhante entre eles: um código de conduta fortalece a magistratura, protege a independência judicial e reconstrói a confiança pública.

Para Celso de Mello, a medida é “moralmente necessária” e “institucionalmente urgente”. Ele ressalta que, em democracias maduras, não basta que o juiz seja imparcial; é preciso também parecer imparcial. A ética judicial, segundo ele, deve ser “visível, escrita e aberta ao escrutínio da sociedade”.

Ayres Britto vai na mesma linha: em uma República, não há espaço para mistério. A atuação de ministros deve ser pública, transparente e compatível com a exigência constitucional de reputação ilibada, não apenas para ingressar no STF, mas para permanecer nele.

O exemplo internacional: Alemanha, EUA, França e Reino Unido

A proposta de Fachin se inspira em modelos já adotados no exterior. O Tribunal Constitucional da Alemanha, citado como principal referência, impõe diretrizes objetivas sobre:
• participação em eventos públicos e privados;
• recebimento de remuneração por palestras;
• divulgação obrigatória de ganhos extras;
• prevenção de conflitos de interesse e de situações que afetem a reputação da Corte.

Nos Estados Unidos, a Suprema Corte só adotou um código de conduta em 2023, após reportagens revelarem presentes não declarados e vínculos políticos do juiz Clarence Thomas. França e Reino Unido também possuem guias éticos focados na aparência de independência, mesmo quando não há ilegalidade formal.

O Brasil, por outro lado, ainda se apoia majoritariamente na Lei Orgânica da Magistratura (Loman), que trata a magistratura de forma genérica e não enfrenta as especificidades do poder concentrado nos tribunais superiores.

A resistência interna: por que parte do STF é contra?

A reação contrária dentro do STF não é pequena. Ministros que costumam frequentar eventos patrocinados por empresários e participar de fóruns internacionais — muitas vezes sem transparência sobre custos, convites e financiadores — veem o código como uma ameaça à autonomia individual.

Há também o argumento político: o receio de que a discussão fragilize o tribunal em um momento de tensão com o Congresso, especialmente com o avanço de propostas de atualização da Lei do Impeachment. Nos bastidores, teme-se que um debate público sobre ética interna seja usado como munição externa contra a Corte.

Outro ponto sensível é o método. Integrantes do tribunal reclamam que Fachin teria falhado na articulação interna antes de tornar pública a ideia, o que teria provocado a primeira grande crise de sua gestão.

O caso Banco Master: quando o problema deixa de ser teórico

A urgência do código ganhou contornos concretos com reportagens revelando a atuação do ministro Alexandre de Moraes junto ao Banco Central em favor do Banco Master, então controlado por Daniel Vorcaro. Também segundo Malu Gaspar, Moraes teria feito contatos diretos com o presidente do BC para pressionar pela aprovação de uma operação de venda do banco, posteriormente frustrada após a descoberta de fraudes bilionárias.

O caso tornou-se ainda mais sensível diante da informação de que o escritório da esposa do ministro mantinha contrato milionário para representar interesses do banco junto a órgãos públicos. Mesmo que não haja comprovação de ilegalidade, a aparência de conflito de interesses é evidente — exatamente o tipo de situação que códigos de conduta buscam prevenir.

Como destacou Celso de Mello, regras claras não reduzem a independência judicial; ao contrário, protegem-na, afastando suspeitas e preservando a autoridade moral das decisões.

O que o STF pode ganhar com um código de conduta

A adoção de um código não é um gesto simbólico. Ela pode produzir efeitos concretos:
• Reforço da confiança pública em um Judiciário cada vez mais exposto e politizado;
• Padronização de comportamentos, evitando decisões casuísticas ou justificativas subjetivas;
• Proteção institucional dos próprios ministros contra constrangimentos futuros;
• Alinhamento do Brasil a práticas internacionais já consolidadas.

Como resumiu Rosa Weber, trata-se de uma medida de “altíssima relevância para a credibilidade do Poder Judiciário”.

Transparência como condição da democracia

O debate não é sobre moralismo, mas sobre governança institucional. Em um país marcado por polarização, desinformação e desconfiança nas instituições, o STF ocupa um papel central de estabilidade democrática. Esse papel exige mais do que decisões tecnicamente corretas: exige condutas irrepreensíveis e transparentes.

A resistência interna revela o tamanho do desafio. Mas o apoio de ex-presidentes da Corte, a pressão da opinião pública e os exemplos recentes mostram que o custo de não agir pode ser maior do que o desconforto de mudar. Em uma República, como lembram os próprios ministros aposentados, a coisa pública não se sustenta no segredo — mas na luz.

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