A demissão de cerca de mil funcionários do Itaú Unibanco por alegada baixa produtividade no home office acendeu um alerta sobre os limites legais do monitoramento de colaboradores em trabalho remoto. A prática levanta dúvidas jurídicas sobre privacidade, proporcionalidade e transparência, principalmente no contexto da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
O caso: demissões por baixa produtividade
Nesta segunda-feira (9), o Itaú Unibanco demitiu cerca de mil funcionários por conta de avaliações de produtividade realizadas durante o teletrabalho. Segundo relatos, o banco teria utilizado ferramentas de rastreamento de inatividade nos computadores corporativos, identificando longos períodos sem atividade e, com base nesses dados, realizado demissões em massa.
A instituição não confirmou o número de demitidos, mas afirmou que as demissões são resultado de uma “revisão criteriosa de condutas relacionadas ao trabalho remoto e registro de jornada” e que, em alguns casos, foram identificados padrões “incompatíveis com os princípios de confiança” da empresa.
Monitorar é permitido? O que diz a lei?
Segundo o advogado Célio Pereira Oliveira Neto — membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, pós-doutor pela Universidade do Porto e doutor pela PUC-SP — o monitoramento remoto não é vedado pela legislação brasileira, mas deve respeitar limites legais e princípios da LGPD.
“Diferentemente do direito português, o direito brasileiro não veda o monitoramento à distância”, explica Célio Neto. Segundo ele, é possível monitorar o desempenho da atividade, desde que haja transparência quanto à coleta e finalidade dos dados.
LGPD e os princípios que devem ser seguidos:
De acordo com o jurista, o monitoramento precisa observar os seguintes princípios da LGPD:
• Transparência: o trabalhador precisa ser informado que está sendo monitorado;
• Finalidade: deve estar claro por que os dados estão sendo coletados (ex: controle de produtividade);
• Adequação: os dados coletados devem ter relação direta com o objetivo pretendido;
• Necessidade: apenas os dados estritamente necessários devem ser coletados;
• Proporcionalidade: o monitoramento não pode ser excessivo, invasivo ou contínuo sem justificativa clara.
Também é preciso analisar “se houve invasão desmedida da privacidade e intimidade” do trabalhador e “se esse monitoramento é contínuo”, alerta o advogado. É legítimo avaliar desempenho, mas sem descumprir os princípios da LGPD.
E quanto à demissão? Pode ocorrer com base nesses dados?
Outro ponto sensível envolve o fato de que as demissões foram motivadas por informações geradas a partir desse monitoramento. Isso pode alterar o enquadramento jurídico das dispensas.
Quando o empregador indica o motivo da demissão, ela deixa de ser um ato puramente potestativo (sem necessidade de justificativa) “e faz com que isso possa ser discutido, se esse motivo é lícito ou não”, afirma.
No caso das demissões no Itaú, o banco alegou que os desligamentos se deram por “não cumprimento do dever contratual” devido à baixa produtividade. Com isso, é possível que o motivo seja analisado judicialmente quanto à sua legalidade e proporcionalidade.
Demissão em massa exige negociação com sindicato?
“Quando se trata de demissão em massa, o banco teria que comunicar o sindicato e buscar alguma forma de resolver se ele não tivesse uma motivação. E aqui no caso ele está dizendo qual é o motivo”, explica Célio Neto. Assim, em princípio, dada a justificativa da baixa produtividade, o não cumprimento do dever contratual, a comunicação não é obrigatória.
O que houve neste caso, destaca o advogado, houve “uma dispensa em massa não por justa causa, mas como um motivo justificado”.
“E aí o que vai se discutir é a proporcionalidade dessa medida, em que medida os trabalhadores tinham ciência. E pode-se avaliar até mesmo se efetivamente houve o descumprimento contratual que levasse a tanto”, conclui Célio Neto.
O que pode ser questionado na Justiça
Trabalhadores demitidos podem recorrer à Justiça do Trabalho alegando:
• Falta de transparência na coleta dos dados;
• Monitoramento excessivo, contínuo e sem base legal;
• Ausência de aviso prévio sobre o uso de dados para fins disciplinares;
• Proporcionalidade da penalidade, caso não tenha havido advertência ou outras medidas antes da demissão.
Conclusão
O caso do Itaú levanta um debate importante sobre os limites da vigilância digital no trabalho remoto. Embora o monitoramento em si não seja proibido, ele deve seguir os princípios legais da LGPD, preservar a privacidade dos trabalhadores e ser comunicado de forma transparente.
No ambiente pós-pandemia, em que o home office se tornou realidade para muitos, o equilíbrio entre controle patronal e direitos fundamentais será cada vez mais desafiador — e também mais judicializado.