Lei inédita no País proíbe bloqueio de celulares por inadimplência no Ceará

Medida amplia proteção ao consumidor, mas pode enfrentar disputa no STF
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A partir de agora, redes varejistas, financeiras e operadoras ficam proibidas de usar aplicativos que travam o aparelho como forma de cobrança. Foto: Freepik

Uma nova do Ceará, inédita no País, proíbe empresas de bloquearem celulares por inadimplência. A prática vinha sendo usada por varejistas e operadoras para pressionar o pagamento de parcelas. Com a nova regra, o aparelho não pode mais ser travado e empresas que descumprirem serão punidas pelo Código de Defesa do Consumidor.

Uma nova lei estadual sancionada pelo governador Elmano de Freitas proíbe empresas de bloquear o funcionamento de celulares por meio de softwares ou aplicativos instalados no aparelho quando o consumidor atrasa parcelas do financiamento ou da compra.

A partir de agora, redes varejistas, financeiras e operadoras ficam proibidas de usar aplicativos que travam o aparelho como forma de cobrança. O descumprimento sujeita as empresas a sanções do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

A norma, de autoria do deputado estadual Guilherme Sampaio (PT), é inédita no País e coloca o Ceará como prioneiro ao legislar sobre uma pauta que já vem sendo discutida judicialmente em vários estados.

“Era um abuso”, diz autor da lei

O deputado Guilherme Sampaio, autor da proposta, afirma que a legislação responde a uma prática abusiva já denunciada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE).

“Estava acontecendo um abuso de empresas que vendiam aparelhos financiados e instalavam um dispositivo que bloqueava o celular a cada atraso”, disse. O deputado destacou ainda que o abuso é muitas vezes praticado por financeiras de atuação internacional, com juros altíssimos. “É como se você comprasse um carro financiado e, no dia em que você atrasasse a parcela do financiamento por alguma razão de força maior, fosse dar na chave e o carro não ligasse”.

Após a sanção da lei, o parlamentar afirma que a fiscalização será imediata: “Agora o Decon e o Procon já podem tomar todas as medidas para coibir e proibir esse abuso no Ceará”.

O que muda na prática?

A lei impacta diretamente:

  • Financeiras e empresas que compram carteiras de crédito de lojas

Antes, muitas exigiam a instalação de apps de “kill switch” (trava remota). Agora, isso passa a ser ilegal.

  • Varejistas que vendem celular a prazo

Também não podem mais travar o aparelho do cliente.

  • Operadoras que vinculam aparelho ao plano

Empresas, especialmente financeiras que operam compras de crediários, terão de adaptar contratos imediatamente — inclusive removendo bloqueios já instalados.

Cláusulas que preveem bloqueio remoto deixam de ter validade no Ceará.

A empresa pode continuar cobrando a dívida — mas não pode impedir o consumidor de usar o aparelho, que hoje é considerado item essencial para:

• chamados de emergência,
• acesso a serviços públicos,
• autenticação bancária,
• comunicação básica.

Outros estados já tratam do tema?

Não. O Ceará é o primeiro Estado com uma lei específica proibindo o bloqueio de celulares por inadimplência.

O que existe no restante do país são:

• decisões judiciais isoladas,
• ações de Procons e Ministérios Públicos,
• recomendações administrativas com base no CDC.

Mas nenhuma lei estadual tão direta como a cearense.

Como os tribunais têm decidido sobre o bloqueio de celulares?

A jurisprudência no Brasil já caminha na mesma direção da lei cearense.

Exemplos:

  • Tribunal de Justiça do DF (TJDFT)

Proibiu empresas como SuperSim de travarem celulares por atraso e declarou as cláusulas abusivas.

  • Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM)

Condenou empresas que obrigavam o cliente a instalar aplicativos de bloqueio remoto.

  • Procon-SP

Expediu orientação dizendo que o bloqueio é prática abusiva e já foi proibido judicialmente em vários casos.

Ou seja: o conteúdo da lei tem forte respaldo judicial.

Há risco de questionamento?

Sim.

O ponto sensível não é o mérito (proteção ao consumidor), mas a competência legislativa.

O Supremo já decidiu, em outras ações, que:

• estados não podem legislar sobre telecomunicações, pois é matéria de competência da União;
• leis que interferem em aspectos técnicos do serviço ou em contratos regulados nacionalmente podem ser consideradas inconstitucionais.

Exemplos de decisões do STF:

• suspensão de lei de Mato Grosso do Sul que tratava do vencimento de créditos de celular pré-pago;
• questionamento de lei do DF que restringia corte de serviço telefônico.

Assim, uma entidade do setor ou partido político pode entrar com ADI questionando a lei cearense.

Mas, até que haja alguma contestação e o STF decida, a lei vale plenamente.

Impacto jurídico e econômico

Do que a lei trata:

  • fortalece a boa-fé nas relações de consumo,
  • protege o uso essencial do celular,
  • coíbe práticas coercitivas de cobrança,
  • obriga o mercado a rever modelos de financiamento,
  • alinha-se à jurisprudência nacional.

Como o consumidor pode buscar seus direitos

Para casos de bloqueio, o consumidor pode:

  • procurar qualquer agência do Banco do Nordeste, no caso de crédito orientado;
  • acionar o DECON ou PROCON, se o celular estiver bloqueado;
  • registrar queixa no Consumidor.gov.br;
  • ingressar com ação judicial, pedindo danos morais e desbloqueio imediato.

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