Menos de uma semana após a sanção da lei que aumenta a faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5.000, o objetivo desse projeto, de buscas justiça tributária, já corre risco de sofrer alterações.
A tramitação do projeto que regulamenta a taxação de dividendos, ou seja, a taxação dos ricos, considerada central para o equilíbrio das contas públicas, pode ser desidratada no Senado. Uma emenda apresentada como destaque para votação em separado pode abrir uma brecha bilionária: ela propõe isentar advogados, médicos e contadores do pagamento de IR sobre dividendos distribuídos por suas empresas.
A medida não foi incorporada ao parecer do relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), mas será votada isoladamente na próxima terça-feira (2), na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).
Além disso, especialistas alertam que a proposta é inconstitucional por ferir o princípio da isonomia, conforme o artigo 150 da Constituição.
Se aprovada, a emenda colocará no centro da discussão um dos pilares que fundamentaram a reforma: a justiça tributária.
O que está em jogo
A lei sancionada por Lula na quarta-feira (26) incorporou a diretriz de que rendimentos de capital — especialmente os de camadas do topo da pirâmide — deveriam voltar a ser tributados, corrigindo uma distorção histórica: o Brasil era um dos poucos países do mundo a não taxar dividendos.
A emenda, porém, caminha na direção oposta. Ela propõe uma exceção para profissionais organizados em sociedades submetidas à fiscalização por conselhos profissionais, como:
• escritórios de advocacia,
• clínicas médicas,
• empresas de contabilidade.
O argumento das entidades de classe é que esses trabalhadores seriam remunerados majoritariamente pelo próprio esforço pessoal, e não pelo capital.
Mas, na prática, essas categorias estão entre os principais públicos-alvo da taxação dos mais ricos, já que concentram altos rendimentos sob a forma de distribuição de lucros — muitas vezes, como estratégia de planejamento tributário para reduzir a carga sobre a renda.
Impacto fiscal e distorção na lógica da reforma
Caso aprovada, a emenda pode ter as seguintes consequências:
• criar uma exceção regressiva, beneficiando grupos com maior poder econômico;
• fragilizar a lógica de equidade fiscal que sustentou o aumento da faixa de isenção;
• gerar perda de arrecadação relevante, comprometendo o equilíbrio do pacote.
Isentar justamente as categorias que mais concentram distribuição de lucros de alto valor pode transformar a reforma em um sistema “de dois pesos e duas medidas”:
Assim, perde o sentido falar em justiça tributária e, ao mesmo tempo, blindar profissionais de alta renda da tributação de dividendos. O resultado do capital não pode ser tratado como simples remuneração do trabalho quando é, de fato, lucro distribuído.
Pressão política e risco de desfiguração do texto
A inclusão desse destaque acendeu um alerta no governo.
Como o PL 5.473/2025 ainda não foi votado, qualquer alteração fora do acordo inicial — especialmente uma de grande impacto fiscal — pode comprometer o equilíbrio da reforma e gerar atraso na implementação das novas regras do IR.
Há também receio de que a emenda abra precedente para outras categorias pleitearem o mesmo benefício, criando uma “lista de exceções” que desmontaria a estrutura da taxação de dividendos.
O próximo capítulo
A CAE votará o parecer de Braga e os destaques na terça-feira (2). Se aprovado sem alterações, o texto segue direto para a Câmara. Mas a aprovação da emenda poderá obrigar o governo a intervir politicamente e reabrir negociações — ampliando o risco de atrasos e de enfraquecimento da reforma.
Enquanto isso, cresce a pressão de entidades profissionais para aprovar o benefício, e de economistas e juristas para barrá-lo.