O Banco Vazio

Banco vazio
Hoje, o banco estava vazio. O coração sentiu. Era o mesmo banco onde tantas vezes a vi rir, dividir histórias, pedir ajuda e, com sua simplicidade, ensinar sem saber que ensinava.

Todos os dias, um banco na beira-mar abrigava uma senhora de sorriso generoso, que acolhia com histórias e sabedoria. Hoje, o banco estava vazio — soube que ela foi levada por uma ambulância e talvez tenha partido. Mesmo ausente, ela permanece presente na memória, como parte da paisagem e da vida de quem por ali caminha.

Todos os dias, nas minhas caminhadas, o sol nascia sobre o mesmo horizonte. As árvores balançavam com a brisa do mar, e o vai e vem das ondas parecia sussurrar histórias antigas. Entre tantas rotinas e rostos, havia um que sempre se destacava: o sorriso largo de uma senhora sentada naquele banco de concreto, o mesmo que hoje encontrei vazio.

Ela era dessas presenças que a cidade adota sem perceber. Não tinha nome para mim no início, apenas uma simpatia acolhedora, um “bom dia” temperado com a sabedoria dos índios e a ternura feminina. Falava-me de tudo, do tempo, das pessoas, da vida, com a naturalidade de quem já viveu o bastante para entender que as dores também passam.

Eu, que caminhava para exercitar o corpo, acabava sempre parando ali para também exercitar a alma. Eram momentos de aprendizagem, de pureza gratuita, de reflexão e de um novo olhar sobre o mundo.

Hoje, o banco estava vazio. O coração sentiu. Era o mesmo banco onde tantas vezes a vi rir, dividir histórias, pedir ajuda e, com sua simplicidade, ensinar sem saber que ensinava.

Um dia, ela me presenteou com um simples relógio. No início, hesitei em aceitar. Mas, diante de sua insistência e do argumento de que, se eu não recebesse, alguém o roubaria, acabei aceitando. E percebi que ela me deu muito mais do que eu poderia dar a ela.

A mulher do banco
Ela era dessas presenças que a cidade adota sem perceber. Foto: arquivo pessoal

Era tudo o que possuía de valor material, mas sua verdadeira riqueza estava em outro lugar. Ela era superior a mim, um espírito evoluído. Hoje entendi esse sutil recado e carrego aquele relógio como um talismã, uma lembrança dessa amizade breve, como a própria vida. Afinal, somos todos passageiros, num barco à deriva.

Nesse triste domingo, o vento soprou diferente. As sombras das árvores pareciam mais longas, como se a ausência dela pesasse sobre o chão. Ela morava na rua, como tantas outras. Perguntei por ela. Disseram que, ontem, uma ambulância veio buscá-la. Passou mal no fim da tarde. Levaram-na às pressas, e ninguém soube dizer mais nada.

Alguns dizem que ela se foi, que já estaria do outro lado. Outros acreditam que ainda voltará, talvez apenas tenha ido descansar um pouco do calor da vida e seus percalços.

Fiquei ali por um tempo, olhando para o banco vazio, com um aperto no peito. É curioso como certos lugares guardam a memória das pessoas. Aquele banco de concreto, frio e inerte, parecia agora um altar silencioso de lembranças. E, naquele instante, percebi que, mesmo sem saber, ela havia se tornado parte da paisagem e, especialmente, da minha caminhada, da minha vida.

Aquela senhora, com seu vestido florido e alma generosa, talvez tenha partido. Ou talvez apenas tenha mudado de banco, quem sabe para um mais confortável, com vista eterna para o mar. Mas, enquanto eu passar por ali, aquele banco nunca estará completamente vazio.

Machidovel Trigueiro Filho, professor, escritor e passageiro da vida.

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