Quem responde pelas decisões de fim de ano da empresa? Limites e riscos para sócios e administradores

Jorge Soares escreve quinzenalmente, às quartas-feiras. Nesta semana, excepcionalmente nesta terça-feira
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O fim de ano concentra decisões empresariais tomadas sob pressão, o que aumenta o risco jurídico para quem administra a empresa. Embora a pessoa jurídica tenha autonomia patrimonial, administradores podem ser responsabilizados pessoalmente se agirem fora da lei, do contrato social ou sem critérios claros, especialmente em temas como tributos, trabalhistas e distribuição de lucros. A informalidade agrava esse risco, enquanto práticas mínimas de governança, registros formais e decisões colegiadas ajudam a proteger tanto a empresa quanto seus gestores.

O fim de ano costuma ser marcado por decisões tomadas sob forte pressão. A necessidade de fechar o caixa, cumprir obrigações trabalhistas, renegociar contratos e reorganizar passivos leva muitas empresas a adotarem medidas rápidas, nem sempre acompanhadas da devida reflexão jurídica. É justamente nesse contexto que surge uma das perguntas mais relevantes do Direito Empresarial: quem responde pelas decisões de fim de ano da empresa?

A autonomia patrimonial da pessoa jurídica continua sendo um pilar da atividade empresarial, mas ela não é absoluta. Decisões tomadas sem respaldo contratual, sem observância das normas legais ou em desacordo com os interesses da sociedade podem deslocar a responsabilidade da empresa para as pessoas físicas que conduzem a gestão. Em dezembro, quando a urgência se sobrepõe ao planejamento, esse risco se intensifica.

É importante distinguir os papéis. O sócio, como investidor, não responde automaticamente pelas obrigações da empresa. Já o administrador assume deveres específicos de diligência, lealdade e boa-fé. Quando atua fora dos limites do contrato social, do acordo de sócios ou da lei, pode ser responsabilizado pessoalmente pelos prejuízos causados, ainda que as decisões tenham sido tomadas com a intenção de “salvar o negócio”.

Jorge Soares, advogado e sócio-diretor do escritório Tomaz & Soares
Jorge Soares é advogado e sócio-diretor do escritório Tomaz & Soares

Algumas situações típicas de fim de ano ilustram bem esse cenário. A postergação irregular de tributos, a escolha seletiva de credores sem critério objetivo, a concessão de férias ou a rescisão de contratos sem observância da legislação trabalhista e a distribuição de lucros em contexto de dificuldade financeira são decisões que frequentemente geram passivos no exercício seguinte. Sem documentação adequada e sem deliberação formal, tornam-se especialmente vulneráveis a questionamentos.

A informalidade, tão comum em pequenas e médias empresas, funciona como um agravante. Quando não há registro das decisões, critérios definidos ou demonstração de que a escolha foi razoável diante das circunstâncias, a defesa do administrador se enfraquece. O argumento da urgência, por si só, não afasta a responsabilidade pessoal.

Por outro lado, a adoção de práticas mínimas de governança atua como importante fator de proteção. Decisões deliberadas em conjunto, registradas em atas, alinhadas ao contrato social e tomadas com base em informações minimamente organizadas demonstram boa-fé e diligência. Não se trata de eliminar riscos, mas de torná-los juridicamente administráveis.

O fim de ano não cria novas responsabilidades, mas revela com clareza aquelas que sempre existiram. Empresas que tratam dezembro como um período excepcional, no qual tudo é permitido, acabam expondo seus sócios e administradores a riscos desnecessários. Já aquelas que encaram esse momento com organização e critério transformam decisões difíceis em atos defensáveis, preservando não apenas a empresa, mas também as pessoas por trás dela.

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