Querem imprimir a dúvida, não o voto

A aprovação da obrigatoriedade do voto impresso no projeto do Novo Código Eleitoral no Senado é um golpe contra a confiança que o país construiu desde 1996
Rodrigo Martiniano Ayres Lins é doutorando em Direito Constitucional (Unifor), professor de Direito Eleitoral da Unichristus
Rodrigo Martiniano Ayres Lins é doutorando em Direito Constitucional (Unifor), professor de Direito Eleitoral da Unichristus

A aprovação do voto impresso pelo Senado representa um retrocesso à segurança das urnas eletrônicas, que funcionam de forma auditável desde 1996. A medida, além de gerar altos custos e ameaçar o sigilo do voto, pode abrir espaço para desconfianças e instabilidade política. Defender a urna eletrônica é proteger a soberania do eleitor e a credibilidade do sistema democrático brasileiro.

A democracia brasileira não merece ser refém de mitos. Não merece retroceder por pressões políticas que desconsideram décadas de segurança comprovada. Não merece ver sua credibilidade abalada em nome de uma desconfiança fabricada. E, sobretudo, não merece ter o processo eleitoral transformado em palco de experimentos que abrem brechas para a instabilidade.

A aprovação da obrigatoriedade do voto impresso no projeto do Novo Código Eleitoral no Senado é um golpe contra a confiança que o país construiu desde 1996. A proposta foi aprovada por margem apertada, 14 votos a 12, em clara demonstração de divisão política e não de necessidade técnica. O relator, Senador Marcelo Castro, foi firme ao rejeitar a ideia: lembrou que a segurança da urna eletrônica é reconhecida nacional e internacionalmente, fruto de constantes auditorias e testes públicos. Ainda assim, a oposição conseguiu incluir a medida, impondo a implantação já na primeira eleição após a sanção.

O mecanismo prevê que cada voto seja impresso e automaticamente depositado em urna lacrada, sem contato manual do eleitor. À primeira vista, soa como reforço de transparência. Mas, na prática, trata-se de uma porta aberta para contestações infindáveis, judicialização do processo e questionamentos sobre a legitimidade dos resultados. Ao invés de fortalecer, fragiliza a confiança.

Do ponto de vista técnico, o retrocesso é evidente: além de criar custos bilionários para adaptar urnas e treinar mesários, o voto impresso pode comprometer a celeridade da apuração e abre riscos de quebra do sigilo do voto em disputas locais. Não é por acaso que o Supremo Tribunal Federal já declarou a medida inconstitucional, justamente por enxergar nela ameaça à própria integridade do sistema eleitoral.

O Brasil foi pioneiro ao criar um sistema eletrônico auditável, rápido e seguro, admirado por democracias consolidadas. Reverter essa conquista significa ignorar especialistas e a própria história de estabilidade das eleições brasileiras.

Não podemos permitir que a desinformação vença a ciência. Defender a urna eletrônica é defender a soberania popular, é proteger a vontade de cada cidadão e a confiança coletiva que sustenta o pacto democrático. Temos, de um lado, a racionalidade, a tecnologia auditável e a lisura que garantem eleições céleres e seguras; de outro, o risco de semear dúvidas, de alimentar narrativas de fraude e de corroer, pouco a pouco, a fé nas instituições. É preciso ter responsabilidade para afirmar, sem hesitação: nossa urna eletrônica é patrimônio nacional e não pode ser desmontada por conveniências políticas passageiras.

Rodrigo Martiniano Ayres Lins é doutorando em Direito Constitucional (Unifor) e professor de Direito Eleitoral da Unichristus

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