O embate institucional entre a Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Ceará (OAB-CE) e a gestão penitenciária do Estado se acirrou após uma decisão do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) autorizar a captação de diálogos entre advogados e pessoas privadas de liberdade na Penitenciária Estadual de Segurança Máxima. A medida, tomada pela 3ª Câmara Criminal ao acolher pedido do Ministério Público do Ceará, reacendeu críticas da entidade quanto ao que classifica como sucessivos ataques às prerrogativas da advocacia no sistema prisional cearense.
A OAB-CE já recorreu da decisão e estuda levar o caso às instâncias superiores. Para a presidente da Ordem no Ceará, Christiane Leitão, a autorização judicial viola garantias constitucionais e legais. Segundo ela, o monitoramento afronta diretamente o artigo 7º do Estatuto da Advocacia, que assegura a entrevista reservada entre advogado e cliente, além de contrariar a Lei de Execução Penal e o princípio da ampla defesa previsto na Constituição Federal.
“Não é razoável que terceiros tenham acesso às tratativas entre advogado e cliente. Nenhuma política de segurança pode justificar o enfraquecimento do direito de defesa”, afirmou Christiane Leitão, ao destacar que a decisão cria uma presunção coletiva de irregularidade sobre a advocacia, formada majoritariamente por profissionais éticos.
A presidente ressaltou ainda que eventuais condutas ilícitas devem ser apuradas caso a caso, por meio dos mecanismos próprios da OAB, como o Tribunal de Ética e Disciplina. “O que não se pode admitir é o monitoramento generalizado, que afronta o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa”, completou.
A decisão do TJCE também surpreendeu a Ordem por representar uma mudança de entendimento em relação à primeira instância. O diretor adjunto de Prerrogativas da OAB-CE, Márcio Vitor Meyer de Albuquerque, explicou que a Vara da Corregedoria dos Presídios havia negado o pedido do Ministério Público, entendimento que acabou revertido no Tribunal.
“Desde o início, a OAB acompanha esse caso. Houve uma negativa clara em primeiro grau e, agora, uma guinada no Tribunal, autorizando o monitoramento das conversas. Diante disso, vamos adotar todas as medidas cabíveis”, afirmou.
Histórico de tensão com a SAP
O episódio se soma a um histórico recente de atritos entre a OAB-CE e a Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização (SAP). Nos últimos anos, a entidade já se manifestou publicamente contra restrições de acesso de advogados às unidades prisionais, longas filas e atrasos para atendimento, limitações a entrevistas reservadas e mudanças operacionais implementadas sem diálogo prévio com a advocacia.
Em diversas ocasiões, a Ordem classificou as medidas como incompatíveis com o exercício profissional e alertou para impactos diretos no direito de defesa das pessoas privadas de liberdade. Em alguns casos, a OAB chegou a ajuizar ações judiciais e realizar atos públicos para pressionar por mudanças.
Para a entidade, o novo episódio amplia um cenário de insegurança jurídica e institucional. A OAB-CE sustenta que a preservação das prerrogativas da advocacia não é um privilégio corporativo, mas uma garantia do cidadão e do próprio funcionamento do sistema de Justiça.
A Ordem afirma que seguirá atuando de forma técnica e institucional, sem politizar o tema, mas com firmeza na defesa do Estado Democrático de Direito. “Quando se enfraquece a advocacia, enfraquece-se também a defesa do cidadão”, tem reiterado a direção da OAB-CE.