Da promessa à petição: como as redes sociais estão moldando a litigância predatória

Lucas Mendes de Resende é gestor técnico do escritório Ferreira e Chagas
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Os idosos têm se tornado um alvo recorrente das campanhas agressivas de captação que circulam com facilidade por meio de vídeos curtos, anúncios pagos e mensagens patrocinadas

O uso das redes sociais por advogados cresceu, mas também impulsionou a litigância predatória, marcada por ações em massa, padronizadas e baseadas em promessas irreais de indenização. Campanhas agressivas, muitas vezes impulsionadas por tráfego pago, têm atingido sobretudo consumidores vulneráveis, como idosos, gerando ações sem análise individual e até processos movidos sem o conhecimento dos autores. O fenômeno já representa cerca de 30% das ações cíveis, sobrecarrega o Judiciário, custa bilhões ao sistema e exige resposta firme para proteger consumidores, a ética da advocacia e a credibilidade da Justiça.

Nos últimos anos, as redes sociais transformaram-se em vitrines potentes para divulgação de ideias, serviços e causas. O Direito, evidentemente, não ficou de fora. Em perfis cada vez mais profissionais e bem produzidos, muitos advogados passaram a utilizar plataformas digitais como meios de aproximação com o público. No entanto, também emergiu um problema que precisa ser enfrentado com firmeza: a utilização abusiva dessas ferramentas para fomentar a litigância predatória.

Caracterizada pelo ajuizamento massivo de ações judiciais repetitivas, com petições padronizadas e sem análise individualizada, essa prática muitas vezes é alicerçada em promessas genéricas de indenização ou ressarcimento.

Essa expectativa artificialmente criada por narrativas virais, que prometem ganhos fáceis e certeiros, alimenta uma lógica sedutora, na qual o consumidor é frequentemente induzido ao erro e levado a acreditar que basta alegar desconhecimento de um serviço ou de uma contratação para obter indenização. Em casos extremos, ele é orientado a negar vínculos com produtos ou serviços contratados, com o único objetivo de aumentar as chances de sucesso na demanda judicial. Esse fenômeno é potencializado pelo alcance massivo das redes sociais no Brasil. Em 2025, o país conta com cerca de 183 milhões de pessoas conectadas à internet, das quais 144 milhões possuem perfis ativos em redes sociais.

Um dado importante é o crescimento de idosos nas redes sociais. Atualmente, cerca de 35 milhões de brasileiros têm 60 anos ou mais, representando 16% da população. Esse público tem se tornado um alvo recorrente das campanhas agressivas de captação que circulam com facilidade por meio de vídeos curtos, anúncios pagos e mensagens patrocinadas.

A dinâmica é ainda mais impactante ao considerar o uso de tráfego pago. Escritórios e agências especializadas em marketing jurídico investem quantias significativas para impulsionar conteúdo em busca de captação massiva.

Decisões judiciais recentes têm reconhecido a existência de campanhas orquestradas de litigância massiva, com o ajuizamento de ações idênticas, muitas vezes com os mesmos erros de digitação ou argumentos automatizados. Um exemplo emblemático ocorreu em Goiás, onde um juiz extinguiu quase 3 mil ações por constatar que todas seguiam o mesmo padrão textual, sem qualquer personalização dos fatos, em claro indício do abuso do direito de ação. Em casos semelhantes, advogados foram denunciados à OAB por captação irregular de clientela e por promoverem ações em nome de pessoas que sequer sabiam estar figurando como autoras nos processos.

Esse fenômeno tem ganhado tamanha dimensão que estimativas recentes apontam que a litigância predatória já representa cerca de 30% das ações cíveis em trâmite nos tribunais estaduais, gerando um custo anual de R$ 12,7 bilhões ao Judiciário, conforme dados de estudo do Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Trata-se de um desequilíbrio que sobrecarrega o sistema, prejudica o andamento de causas reais e fragiliza a imagem da própria advocacia.

Mais preocupante ainda é o impacto sobre os próprios consumidores. Há relatos de clientes surpreendidos com decisões desfavoráveis em processos que nem sabiam existir, sendo posteriormente cobrados por custas processuais ou honorários sucumbenciais.

A advocacia deve, sim, evoluir com os tempos. Mas não pode perder de vista os pilares da ética, da boa-fé e do zelo pelo interesse do cliente. Campanhas em redes sociais têm lugar no mundo moderno, mas devem ser usadas para educar, orientar e aproximar, nunca para capturar e manipular. Cabe ao Poder Judiciário identificar padrões abusivos e adotar medidas que coíbam esse tipo de prática, desde a aplicação de multas até o envio de representações à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

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